Já vi homens (e outros gêneros) fazendo relativo “sucesso” – seja lá o que essa palavra signifique – tocando minhas canções sem referenciar minha autoria e ignorando meus pedidos de crédito. Na época, com sentimentos muito ambíguos em função da “familiaridade” afetiva com as pessoas envolvidas, perdoei, perdoei e perdoei de novo. Mas fiquei deprimida.
Perdão é muito cristão; se fosse hoje, preferiria ressarcimento.
É bastante violento não ter o reconhecimento (simbólico e material) pelo nosso trabalho, o que historicamente se repete com mulheres, gêneros dissidentes, pessoas negras, indígenas, de classes marginalizadas, que não correspondem a padrões estéticos hegemônicos, entre outras .
Todas essas pessoas, parece evidente, teriam muito a ganhar com a união em torno do interesse comum de transformar as violências estruturais da sociedade, tornando-a menos excludente e violenta para TODXS (citando Ana Cañas), mas o que vemos com frequência são diversas lutas fragmentadas, cada uma defendendo a parte que lhe cabe neste latifúndio e buscando seu “próprio” lugar ao sol.
Os problemas são complexos, e fragmentando-os demais, deixamos de enxergá-los.
Sem dúvida há uma relação entre o caso do “estudante plagiador” (João Marques, que plagiou Valeska Zanello, entre outras) e machismo, mas não só. Não podemos ignorar que se trata também de uma pessoa negra buscando popularizar saberes numa sociedade de educação extremamente privatizada.
Muito se falou sobre o plagiador “ter consciência” do que fazia. De fato, foi o que pareceu. Mas não esqueçamos que, por mais consciência que se tenha, o inconsciente segue muito mais vasto e profundo.
No famoso caso do Homem dos Miolos Frescos, de E. Kris, comentado por Lacan (1962-63/2005), o analisante se afirma um plagiador e, após escutar do analista que não o é/não precisa sê-lo, vai a um restaurante comer miolos frescos, contando o fato a Kris na sessão seguinte. Mostra ao analista, por meio deste “acting out”, que não está disposto a abrir mão de sua verdade. Não é, portanto, uma questão de “consciência” simplesmente, mas de gozo.
O questionamento acerca da autoria, “propriedade privada” e enclausuramento acadêmico de ideias e teorias às quais qualquer pessoa deveria ter acesso talvez seja uma das verdades por trás do “gozo do plágio”. Mas para que tal verdade possa atuar de maneira ética, é preciso que emerja do campo das contradições inconscientes. Se os saberes são coletivos, que os rendimentos e reconhecimentos por eles também sejam.
Meus votos para que plagiadories tenham coragem de reparar simbólica e materialmente as pessoas prejudicadas, e para que busquem, se assim desejarem, boas análises.